sábado, 31 de dezembro de 2011

São Paulo, um outro olhar: Sobre a população de rua


    
     Falar de um tema cujo foco principal é a vida das pessoas em situação de rua é um grande desafio, pois a maioria das pessoas não enxerga essa população como parte da sociedade.  As pessoas que vivem em situação de rua são vistas geralmente, como marginais, anormais, indignos, maloqueiros, vagabundos. Nomes carregados de preconceito, que reduzem toda a complexibilidade de uma situação a uma dimensão individual.
       
      São Paulo, um outro olhar aborda a vida de pessoas como eu, como você que sonham, trabalham, lutam por uma vida mais justa e digna, mas que por motivos singulares foram parar nas ruas da cidade, essas pessoas não são diferentes do resto da população, cada uma tem sua história, sua luta, suas conquistas, suas tristezas, e assim como eu, e como você, elas só querem viver.
               
        Para uma maior compreensão o livro foi dividido em três capítulos, a inspiração veio de “Os Sertões” de Euclides da Cunha.  A ideia de mostrar as lutas e conquistas dos sertanejos de Canudos é a mesma, só que dessa vez, a guerra é travada contra eles mesmo e o cenário é na mega metrópole que é a Cidade de São Paulo.
      
      O desafio de fazer esse livro não foi o de chegar junto dessa população para mostrar como vivem. O maior desafio será o de mudar o pensamento das pessoas a respeito desse tema, mostrar que elas podem viver de forma digna e honesta e que mesmo com a maioria das circunstâncias contra, eles podem mudar e vencer na vida, seja na rua ou fora dela.

Capítulo I - A Rua


       Os números [não] metem


       São Paulo é a cidade dos números, são eles que regem a mega metrópole, é baseado neles que a cidade se mantém viva, ativa, operante, e os números são muitos. A cidade de São Paulo tem um território de 1.530 km2, com mais de 11 milhões de habitantes. É a maior cidade das Américas. Como um dos principais centros financeiros da América Latina ela abriga sucursais das maiores instituições bancárias do mundo. São aproximadamente 1.500 agências de bancos nacionais e internacionais. A Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) movimenta R$ 6 bilhões por dia. Cerca de 30 mil milionários vivem atualmente na cidade de São Paulo.
    
      Desde 1997, a cidade é a capital mundial da gastronomia, para abrigar tantos famintos existem mais de 5.000 mil pizzarias que produzem cerca de 40 mil pizzas por hora. No caso dos sushis, são produzidos aproximadamente 16.800 por hora na cidade. Já na área da cultura ela é a capital cultural da América Latina com a maior diversidade em manifestações culturais. São mais de cem peças teatrais por semana, ou 4.800 peças por ano.
     
       Esses são os números que são mostrados, com orgulho, pelas autoridades e órgãos oficiais, mas por outro lado há aqueles que nem sempre são divulgados, às vezes ficam até ocultos como se não existissem. Mas não deixam de ser números da cidade que, cresce a cada dia, e como toda metrópole enfrenta suas dificuldades.
    
         Segundo a prefeitura, são exatamente 13.666 pessoas que vivem em situação de rua em São Paulo. Em 2000, havia 8.706 sem-teto. Ou seja, nos últimos dez anos, o crescimento foi de 57%. Entre os que  estão em situação de rua, 7.079 pessoas (51,8%) dormem em albergues municipais, enquanto 6.587 (48,2%) vivem em praças, marquises ou em baixo de viadutos.  Atualmente, existem 8.200 vagas em 41 albergues. O centro e o lugar onde há mais pessoas em situação de rua em São Paulo, 2.675 (41,9%) dormem nos arredores das Praças da Sé e da República. Entre aqueles que vão para os albergues, 2.933 (59,1%) ficam nas regiões da Mooca, Santa Cecília e Pari. Na área central, a pesquisa do perfil socioeconômico da população de rua indica idade média de 40,2 anos. Nas ruas, cerca de 62,1% trabalham com a coleta de materiais reciclados.

    Mas será que esses números estão certos? Segundo ONGs que trabalham há anos na causa da população de rua, o número de pessoas em situação de rua passa dos 20 mil, um número assustador, por isso não é divulgado oficialmente. São 20 mil pessoas com histórias, origens e situações diferenciadas, mas por algum motivo foram parar na rua.

E é nas ruas da cidade dos números que, não param de aumentar, que essas pessoas tentam [sobre]viver.










Capítulo II - O homem


Sem lenço, sem documento, sem dentes

      Sentado em baixo de uma árvore em um jardim próximo ao Parque Dom Pedro, região central de cidade, numa manhã agitada de segunda feira, ele come tranquilamente a comida que ganhou de alguém que passava pelo local. O dia que para muitos é o começo de uma semana de trabalho, para ele, é mais um dia como outro qualquer. O barulho do vai e vem dos carros passando intensamente próximo ao local não o incomoda. Paulo Augusto Santos da Silva, 53 anos, e um gaúcho de Rio Grande do Sul, que se mudou para São Paulo em meados de 1990. Ele, assim como muitos outros de sua cidade, veio em busca de emprego e de uma vida melhor. “No começo serviço era o que não faltava a gente não saia para procurar emprego era as pessoas que nos procuravam para trabalhar, era só ir à Rua Barão de Itapetininga que sempre tinha vagas de emprego”.
       
            O gaúcho que se mudou para São Paulo lembra, com saudades, de uma Cidade diferente, uma São Paulo que oferecia trabalho, moradia e dava condições de uma vida digna. Ele trabalhou toda sua vida na construção civil, ramo que sempre oferece vagas. Aos domingos quando não jogava bola com os amigos, que moravam na mesma hospedaria que ele, ia passear no parque da Luz. “Era um tempo bom, tenho saudades dessa vida, as pessoas eram diferentes, eu tinha um trabalho, um endereço fixo, até pra namorar era mais fácil” (risos).
     
           O tempo foi passando, a cidade foi mudando e as coisas para Paulo foram ficando cada vez mais difíceis, o emprego que era fácil de achar não estava mais tão fácil assim, as pessoas foram ficando cada vez mais indiferentes, os amigos do futebol foram se distanciando, até a garota que ele paquerava se foi. Numa tarde chuvosa de março ele foi despejado da pensão que morava por falta de pagamento, isso acabou sendo seu passaporte para passar a morar nas ruas de São Paulo, sem casa, emprego e família ele acabou virando mais um morador de rua da cidade que antes de dava tudo, agora lhe dá apenas a rua para tentar sobreviver.
     
                No começo foi difícil, ele não sabia nada desse novo mundo, ficava a maior parte do dia na Praça da Sé, dormia em qualquer lugar, passava o dia pedindo uns trocadinhos pra comer. “Outro dia eu estava dormindo numa calçada, quando fui acordado com chutes na cara, eram os caras da GCM (Guarda Civil Metropolitana), me dando bom dia”. Foi assim que ele perdeu a maioria dos seus dentes, e seus documentos. “Eles fazem de propósito só pra marcar a gente, quando passam levam tudo que podem, um cobertor velho, sapato, tudo”, revela.
    
               Hoje já se passaram mais de vinte anos de rua, fato que lhe deu certa experiência. Seus pertences como cobertor, roupas, ficam no alto das árvores, para evitar furtos. Ele não fica mais na Praça da Sé porque lá a concorrência é muito grande, prefere ficar em lugares onde não há muitos moradores de rua assim ele consegue as coisas mais fáceis. “Hoje em dia só passa fome quem quer, sempre tem alguém que dá comida pra gente”. Paulo divide tudo que tem com o amigo Geraldo e seu cão, o vira lata Alemão. Geraldo, que vive na mesma situação que o amigo, trabalha a noite catando papelão e dorme de dia, enquanto ele dorme Paulo está acordado, e quando os dois estão dormindo e Alemão que os vigia. E é assim que o Gaúcho que saiu de sua cidade em busca de trabalho passa o resto de seu dia, sentado na rua esperando a ajuda dos outros. Depois da longa conversa que durou a manhã toda, ele me agradece com um sorriso no rosto. Paulo está feliz porque nesse dia teve algo que não tinha há muito tempo: Atenção!






A mulher dos pombos



      De óculos escuros, pele enrugada, cabelos na sua maioria brancos, ela já faz parte da paisagem da cidade, há quinze anos no mesmo lugar, em frente aos correios no centro da cidade, segue sua rotina que, diga-se de passagem, é incomum a das outras pessoas.

      A mulher dos pombos, como é conhecida pelos comerciantes mais próximos do local, é reservada, não fala nome nem idade, mas quando o assunto são os pombos ela fala até demais. Defensora assídua dessas aves, ela se sacrifica todos os dias para levar comida e água para esses bichos que, segundo ela, são animais que sofrem maus tratos da população.

    “As pessoas chutam, quebram suas asas, jogam produtos químicos em cima deles, furam seus olhos, tudo isso por maldade, nesses quinze anos de praça já vi coisas horríveis que as pessoas fazem contra os pombos, eu tenho ódio dessas pessoas”, essas palavras saem de sua boca com muito fervor, a mulher de aparência velha e maltratada diz preferir os pombos do que as pessoas. Família ela não tem, amigos tão pouco, ela vive num pequeno quarto onde mora de favor na casa de uma senhora que lhe cedeu o lugar. Na rua ela já passou por muitas necessidades às vezes fica até sem comer, mas o milho e a quirela dos seus pombos nunca faltam. “Nesses 15 anos de praça não faltei nenhum dia sequer, posso estar doente, mas nunca deixo de vir dar a comida e a água deles”.

   Os pombos até parecem conhecer a velha senhora, quando ela chega, mesmo sem mostrar a comida, já se vê uma nuvem de pombos que se desloca da fachada do prédio dos Correios em direção a praça em que ela costuma alimentá-los. Ela também demonstra conhecê-los, quem passa todos os dias pelo local pode vê-la conversando com eles, dando comida no bico, brigando com uns, afastando outros, mas tudo isso faz sentido, pelo menos para ela. “Tem muito pombo doente que não consegue se alimentar sozinho, por isso tenho que dar comida no bico, também tem os gordos que querem comer toda a comida, esses eu afasto não deixo comer a comida dos outros” diz orgulhosa.

     E a temível doença dos pombos? Pergunto para ela, que já tem a resposta na ponta da língua, “Isso é invenção das pessoas, eu sou a prova disso nesses 15 anos cuidando de pombos nunca peguei essa doença, quem inventou isso é um grande mentiroso, e é por isso que as pessoas odeiam os pombos”, defende.  Ela parece ser imune às mais de 20 doenças que eles podem causar, a mais grave delas, a criptococose, mata 30% dos infectados em casos de diagnóstico tardio. Quem vê a velha senhora sentada na praça e alimentando os pombos pode até pensar que ela é louca, mas por trás da aparente loucura está uma mulher lúcida e inteligente que defende não só os pombos, mas todos os animais. É com eles que ela tem a atenção que as pessoas não dão a ela. Na vida ela só tem um medo: “A única coisa que tenho mais medo é se um dia eu morrer e não ter mais ninguém para cuidar deles”.
















A noite que eu queria esquecer


       “Eu estava muito louco, tinha tomado todas, estava escuro, faltava pouco pra chegar do outro lado da linha do trem, se eu chegasse lá eles não tinham me pegado, foi um dia muito triste não me lembro de muita coisa, só me lembro de uma dor muito grande com certeza foi uma das maiores que já senti na minha vida. A dor era tão grande que eu não tinha forças nem pra gritar. Depois disso, não me lembro de mais nada. Dias depois, acordando no hospital, recebi a notícia de que eu não tinha mais uma perna”.
         
             Essa é a história da vida de Wesley Ferreira Santos, 4o anos, nasceu em Taubaté, interior de São Paulo, e mudou-se com toda a família, ainda pequeno, para a capital em busca de novas oportunidades, mas eles não imaginavam que a vida na cidade grande seria ainda pior que da sua terra natal. Logo vieram as brigas, o desemprego e a fome, a família se desestruturou cada um foi pra um lado, uns voltaram para Taubaté outros ficaram em São Paulo. Ele ficou, e junto com outros irmãos começou a trabalhar cedo, cuidando de carros, carregando caixas no mercado municipal, tudo pra ganhar uns trocados. Com o tempo o menino tímido e trabalhador foi caindo na tentação da criminalidade, começou a fazer pequenos furtos, e, quando viu, já estava roubando à mão armada. “Eu fui no embalo dos outros, eu não tinha outra opção, quem entra nesse mundo não têm muitas opções, essa é a realidade”.
        
            Depois de passar quase toda sua infância na FEBEM (hoje, Fundação CASA), ele saiu preparado, não pra mudar de vida, mas sim para continuar no mundo da criminalidade, durante a fuga de um assalto mal sucedido a uma residência, ele sofreu um grave acidente, perdeu uma das pernas na linha do trem. Depois de dias internado ele foi parar de volta na  cidade de onde saiu ainda criança com sua família, só que dessa vez não foi a passeio, Wesley cumpriu  pena de dois anos num presídio em Taubaté. Nesse período ninguém de sua família foi visitá-lo. “No começo todo domingo de visita tinha a esperança que aparecesse alguém, depois perdi todas as esperanças, ninguém nunca veio me visitar”.
    
          Já livre e de volta a São Paulo, Wesley prometeu nunca mais se envolver no mundo da criminalidade. Tentou trabalhar, mas com a ficha suja e ainda deficiente não conseguiu nada. “Só Deus sabe o quanto eu tentei arrumar emprego, mas todas as portas se fechavam. Mas eu não desisti da minha promessa, nunca mais roubei nada de ninguém mesmo morando na rua tenho minha dignidade” revela emocionado.
     
            Hoje em dia Wesley mora em baixo do viaduto Pires do Rio, na Zona Leste de São Paulo, esse é seu endereço há mais de 20 anos, no local ele tem uma maloca que divide com amigos e seus cachorros, eles são sua verdadeira família. O lugar sempre tem espaço pra mais um, “Eu costumo acolher vários amigos, eles vem aqui pra dormir, tomar banho, comer, minha maloca sempre está de portas abertas”. O morador de rua que foi criado no mundo da criminalidade hoje vive com uma pequena ajuda do governo e não depende de ninguém para se alimentar, ele mesmo costuma fazer sua própria comida, só reclama da sua prótese que é maior do que sua perna, mas foi à única que conseguiram pra ele. Wesley agora vê a vida com outros olhos, olhos que já viram a tristeza da solidão e do abandono, olhos que já presenciaram o horror da criminalidade e do mundo da drogas, mundo esse que, segundo ele, não lhe pertence mais.










O poeta perdido na rua


      São Paulo, facultoso asnario adrene adentro da electrosmoge, distanásico e sucumbindo na animosidade da retaliação do escapismo. Aos inémes femeteados o climatério de genocídio, sustebilizando os passos, outrora agonísticos.
     
             Essa e só a primeira estrofe do poema “São Paulo, curviana faradizadora suspicaz”. A poesia, escrita com palavras que raramente usamos no nosso dia-a-dia foi a grande vencedora do 7° concurso de poesia da população em situação de rua de São Paulo, realizada em maio desse ano na câmara municipal da cidade. O concurso foi organizado pelo movimento Estadual da população em situação de rua, e tem como objetivo descobrir e premiar poetas que vivem nas ruas.

                   O poeta e autor dessa poesia é Silvio Luís Monteiro de Oliveira, 43 anos.  Ele já foi casado, trabalhou com metalúrgico em São Bernardo do Campo, mas por motivos de saúde e uma grande desilusão amorosa acabou indo parar na rua. Situação que vive há quase oito anos. Mesmo não tendo um teto para morar Silvio tem um endereço fixo. Todos os dias é possível encontrá-lo no Centro Cultural São Paulo, lugar que ele mesmo adotou como lar e, é ali, cercado de estudantes, que ele passa todo o seu dia. “Eu me sinto muito bem nesse lugar, aqui posso fazer novos amigos, ganho livros, posso trabalhar sossegado, é um ambiente muito agradável”.

          O homem com vocabulário culto, passa a maior parte de seu dia ocupado, quando não está escrevendo contos, poesias ou estudando, está fabricando tabuleiros e peças de xadrez que é feito a partir de pedaços de madeira que ele acha no lixo, a madeira é cortada, lixada, pintada, até que, no final, sai um tabuleiro de xadrez novinho para o deleite de quem gosta de passar o tempo jogando.

            Silvo é autodidata, tudo que aprendeu foi lendo em livros que ganhava das pessoas ou achava no lixo. Seu favorito é um velho dicionário, que ele carrega para todos os lugares, e é desse livro que foi descartado por alguém que Silvio tira suas famosas palavras difíceis. “Eu adoro achar palavras que, hoje em dia, ninguém mais fala. Quando acho algo interessante anoto seu significado no caderno para depois usá-las”. Depois de passar o dia no centro cultural, á noite ele procura um lugar seguro e quente pra dormir. Albergue nem pensar, ele não gosta da desorganização dos albergues, prefere dormir na rua, porque é mais livre e não tem que obedecer as regras impostas nos albergues.

             Além de passar o dia escrevendo Silvio agora divide seu tempo praticando outra coisa que tem lhe tem dado muito prazer. Há poucos meses ele achou um violão no lixo, depois de alguns reparos o instrumento está pronto pra ser usado. “Dá até para tirar algumas músicas, estou só no começinho, mas estou indo bem” fala orgulho. O maior sonho do poeta que vive nas ruas, não é ter um lar, mas sim publicar um livro com suas poesias. “Se um dia isso acontecer, eu estarei realizado”.










                                        Capítulo III - A luta




A feira da troca solidária 
  
    Quem passa de carro pelo viaduto do Glicério, região central da cidade, nem imagina o que se passa lá em baixo todo terceiro sábado do mês, o evento e tão concorrido que vem até pessoas de outras cidades para participar. No local é possível assistir a um show de uma banda ao vivo, rever amigos, conhecer pessoas novas, comer a vontade por um preço baratinho e o melhor, sair de lá carregado de compras, tudo por um preço acessível.
     
            O evento que é tão concorrido pelas pessoas em situação de rua é a feria da troca solidária. Ela acontece todo terceiro sábado do mês e sempre lota de pessoas que vêm não só para trocar uma roupa ou um sapato que não usam mais, a feira vai além disso, é um espaço no qual eles podem ficar a vontade para se divertir sem ter ninguém apontado o dedo para eles, pelo menos lá todos são iguais, estão na mesma situação.
    
              A feira é organizada pela ONG minha rua minha casa, e para comprar qualquer produto é preciso ter a "miruca", a moeda social que vale na feira, assim quem chega troca seu dinheiro por mirucas, isso faz com que a pessoa não gaste muito dinheiro e ainda possa sair da feira com muitas compras. O evento é super organizado, tanto que tem até banco para que as pessoas possam trocar seu dinheiro por miruca.
  
              A importância que essa feira tem para a vida dessas pessoas e muito grande, pois ela resgata todo um sentimento de cidadania e dignidade dessas pessoas que já estão à margem do esquecimento da sociedade. Cada objeto que é doado ou comprado e fruto de um grande trabalho que poucas pessoas vêem.  Alem de roupas em bom estado, sapatos e objetos em geral a feira também oferece almoço a um preço popular.
    
              Enquanto o restante as sociedade passa, apressada, de carro por cima do viaduto, em baixo está acontecendo uma festa pela paz e pela dignidade.











O chá da dignidade

      São 14h, de baixo de um sol forte, já se pode ver a formação de uma fila de pessoas em situação de rua, em frente ao número 268 da Rua Riachuelo, no centro da cidade, o local é a sede do Centro Franciscano de Reinserção Social e é lá que é servido o tradicional chá do padre.  Servido diariamente a partir das 14hs há mais de 15 anos o chá do padre como é conhecido popularmente não é apenas para a consumação do alimento, mas serve também pra um momento de reflexão. “Além de servimos chá e pão, de graça, para a população de rua, também aproveitamos para promover debates, reflexões, a partir de temas ligados aos direitos deles, ás políticas públicas, a cultura e a espiritualidade”, explica Nina Laurindo Silva que é socióloga e articuladora política do local há mais de dez anos.
    
              O espaço trabalha com a dignidade do individuo, não há nada de descartável todas a xícaras  e pires são de louças. Além do chá o lugar também serve como espaço de convivência para formação do cidadão, contribuindo para a reflexão da população de rua sobre os seus direitos, além de fazer encaminhamento para fotos que são usadas na retirada de documentos, também é feita doação de kits de higiene.
    
          As pessoas que chegam para tomar o chá vêm dos mais diversos bairros de São Paulo, muitos chegam cedo só pra garantir seu lugar, é o caso de Dona Perpetua, 76 anos, ela nem se lembra há quanto tempo está em situação de rua, todos os dias ela sai do bairro do Glicério, onde costuma ficar, para ir tomar chá. Em seu carinho ela leva todos os seus pertences, viúva e mãe de sete filhos ela diz que, está na rua para não incomodá-los. “Eles já tem filhos, e muitos problemas para se preocupar, eu não quero ser mais um estorvo nas suas vidas, prefiro viver assim sem incomodar ninguém” revela. Dona Perpetua não dorme em albergue nem nas ruas, todas as noites ela passa numa igreja que fica aberta 24hs, como lá ela não pode dormir passa a noite orando. Por isso ela aproveita a oportunidade de tirar um cochilinho enquanto o chá não é servido.
    
       Do outro lado, numa outra mesa está Seu Jair, 52 anos, ele está desesperado a procura de um emprego, desempregado há mais de dois meses, ele teme perder a vaga no hotel social por causa do desemprego. “Se eu não arranjar um emprego logo, vou perder minha vaga no hotel, fazem dois meses que estou procurando emprego mas não tá fácil, não estou conseguindo nada”.
    
         Histórias como a de Dona Perpetua que decidiu ir morar na rua pra não incomodar os filhos e de Seu Jair que está tentando trabalhar, se perdem no espaço do tempo e são apenas mais uma, nas milhares de histórias de vidas que passam pelo chá do padre.









     

                                      A esperança de uma nova vida

           A música está alta, as pessoas cantam, riem, fazem piadas com os outros, o lugar que parece ter uma boa harmonia não é um lugar qualquer é uma cooperativa de catadores de papel, a Recifran. Seu maior objetivo é preparar a pessoa em situação de rua para o mercado de trabalho, para isso o local têm algumas normas: só é contratado para trabalhar quem já mora em albergue e possui documentos. Isso contribui para que a pessoa em situação de rua se acostume com o mercado de trabalho lá fora. No local todos trabalham animadamente e cada um desempenha uma função. Um é encarregado de separar os materiais por cores, outra pessoa ficar responsável pela prensa, alguns ficam na parte elétrica, tem função para todos.

               A Recifran tem duas linhas de trabalho a geração renda e a coleta seletiva. Além de oferecer um trabalho remunerado todo final de mês o lugar ainda oferece aulas de alfabetização, oficinas artesanais e encontros para discussão de temas como moradia, direitos humanos cidadania, etc. Tudo para tentar formar a pessoa como cidadã e tirá-la da situação que ela vive.

               Um dos trabalhadores do local se destaca pela simpatia e alegria, seu nome é Gilson Mauro dos Santos, 53 anos, natural de Minas Gerais, veio pra são Paulo há mais de dez anos, nesse período já morou na rua, foi dependente químico, mas tudo isso faz parte do passado. Hoje ele está livre do vicio, mora em albergue e trabalha há cinco meses, na cooperativa. “hoje em dia, eu me orgulho de não precisar pedir nada pra ninguém, tenho meu próprio dinheirinho” fala orgulhoso. Seu Gilson está feliz porque está quase conseguindo sair do albergue onde mora, para passar a morar numa hospedagem comunitária. Na hospedagem ele vai dividir o quarto com no máximo três pessoas, além de ser uma oportunidade para sair de vez da situação de rua e ter seu próprio lar.

          Assim como Seu Nilson a Recifran tem diversas histórias de vidas que, por algum motivo, se perderam no tempo, e acabaram no esquecimento, as raízes muitas vezes já perdida, e os vínculos familiares fragmentados e fragilizados são as grandes causas da perda da identidade dessas pessoas. Por isso a grande maioria delas tem em comum a ausência de documentos e a troca do nome verdadeiro por apelidos.

          Uma oportunidade de trabalho como essa não significa apenas o começo de uma nova vida, mas o começo de uma longa caminhada em buscas de seus sonhos, desejos e virtudes. Eles montam em suas cabeças seus próprios mundos, embora esse seja o mesmo mundo que as exclui, as marginaliza e as violenta.










O ato pela vida

      “Somos um povo que quer viver”, “basta de violência, queremos previdência”, “dinheiro não é tudo”. Essas foram só algumas das frases que estampavam as dezenas de placas e panfletos espalhados pelas ruas da cidade. O ato pela vida, assim chamado pelos organizadores tem como objetivo lutar a favor de mais políticas públicas para a população de rua, melhora nos albergues, a questão da saúde, direitos humanos, educação, todas as políticas publicas que falharam.
        
       O ato teve inicio em frente à câmara dos vereadores de São Paulo, depois ganhou as ruas do centro, por onde passava sempre acabava “pescando” mais alguém para a causa. Todas as ONGS, cooperativas, e entidades que lutam pela causa da população de rua estavam no local.
     
        Juntos eles lutavam a favor da inclusão na sociedade dessa população, que é excluída pelos órgãos públicos e pelo resto das pessoas. No inicio do ano houve um número muito grande de pessoas em situação de rua que foram mortas de forma brutal, alguns queimados outros espancados, a quantidade de mortes não foi contada, pois a grande maioria não tem documentos e acabam sendo enterrada como indigente.
       
        O ato pela vida da população de rua juntou todos os tipos de pessoas que vivem em situação de rua, os que moram em albergues, em hotéis sociais, e os que preferem dormir na rua. No ato também foi possível encontrar pessoas que já foram moradores de rua. Mas que hoje em dia tem uma casa e uma família, mas mesmo assim continuam na luta a favor dessa causa.
       
        As expressões registradas nesse dia foram as mais diversas possíveis e vão desde a tristeza de ter que ir a publico para reivindicar seus direitos, a alegria de se reunir com os amigos e lutar por uma causa justa, e até mesmo o olhar de indiferença da população que via o ato como um estorvo para a cidade, “Não precisava fazer tudo isso” reclama uma senhora que passava pelo local, “isso só serve para atrapalhar ainda mais o transito,” diz outro homem que buzinava de dentro de seu carro.
    
       Na verdade a reação da maioria das pessoas e a mesma que todas têm diante dessa população, quando ela é visível é vista como estorvo, lixo, indesejável, aqueles que devem ser removidos. E quando não estão visíveis eles estão marcados pela indiferença, pelo anonimato, por não serem levado a sério nem confiável.
    
       Se esse ato vai resolver essa situação, isso é uma pergunta que não pode ser respondida, mas o que mais importa é que nesse dia a população de rua não se calou ao contrario falou tudo o que queria, e umas das frases que mais marcaram quem estava presente e que foi repetida diversas vezes foi ... “Nós não somos invisíveis, qualquer um pode ficar nessa situação, hoje sou eu amanha pode ser você”










Agradecimentos

     Gostaria de agradecer e dedicar esse livro a todas as pessoas que vivem em situação de rua, em especial aqueles que tiveram a coragem de contar sua história aqui apresentada.
    Aos meus amigos e a minha família que sempre me apoiaram em todas as decisões, inclusive na da realização desse grande desafio que foi fazer esse livro sozinho.
     A todos os meus professores, em especial a minha orientadora Su Stathapoulos, que ao mesmo tempo em que me deixou livre para criar, soube orientar com precisão.
    A todas as ONGS que lutam pela causa da população de rua, e colaboram com o livro, dando entrevistas, indicando possíveis fontes, passando dados referentes ao tema. A partir de agora eu sou mais um, na luta a favor dessa causa.

A seguir o teaser do meu trabalho, confiram...


Fotos do livro impresso: